Para quem não sabe, a contenção ortodôntica mais comum utilizada pelos dentistas é um pequeno fio metálico colado com resina composta na parte de trás dos dentes inferiores. Por conseguinte, muitos tratamentos com aparelho dentário terminam com esta contenção que evita a recidiva, isto é, não deixa os dentes de baixo ficarem tortos de novo. Em 2023, um vídeo protagonizado por uma médica e uma dentista viralizou com esta correlação falsa entre contenção, ciclo menstrual e infertilidade. Entenda no texto o porquê deste tipo de informação.
Não. Não. E não. Contenção ortodôntica não tem qualquer relação com ciclo menstrual ou infertilidade. Um metalzinho colado atrás dos seus dentes de baixo não tem capacidade de mexer com a menstruação ou com qualquer outro ciclo do corpo. Desse modo, não há nem plausibilidade científica. Seria como se eu falasse que a cor da parede da sua sala interferisse na velocidade do crescimento do seu cabelo. Não nenhum estudo e nenhum artigo que prove isso. Então, por que essas duas profissionais da saúde gravaram este vídeo? Por que alguns profissionais ainda hoje insistem nessa desinformação?
Vivemos na era do excesso de informação, da desinformação e da criação de bolhas com narrativas
Mais uma vez, colocamos na conta da Odontologia Biológica, parente de primeiro grau da Medicina Integrativa. Eles alegam que a contenção comprime os dentes e a mandíbula, fazendo com que a pessoa saia de seu meridiano, mudando as vias energéticas de comunicação entre dentes e cérebro, assim levando a alterações de ciclo menstrual e até a infertilidade. A médica do vídeo sugeria a retirada da contenção em casos que as pacientes estariam querendo engravidar ou fazendo tratamentos de inseminação artificial.
Ademais, isso criou uma baita confusão, porque sabemos como a desinformação se espalha de maneira rápida, principalmente porque as pessoas ficam tão revoltadas com o vídeo que começam a compartilhar no sentido de desqualificar a informação. Aí o vídeo chega a milhões de visualizações e a galera integrativa se une para defender as doutoras nos comentários. Além disso, começam a pipocar relatos de pacientes que engravidaram milagrosamente após retirarem suas contenções. Pronto. A pulga atrás da orelha está colocada naquele mulher que está há anos tentando engravidar ou quem tem minimamente uma menstruação por vezes desregulada.
Há uma guerra de narrativas. Primeiro a criação de um factóide. Depois o espalhamento através de viralização. O que fica no ar para os leigos? A dúvida.
Claramente, esse tipo de desinformação que para um profissional estudado é passível de piadas de tão absurda, pode soar como uma fagulha de esperança para quem sonha com uma gravidez. Atinge mulheres em momentos de extrema vulnerabilidade psicológica, querendo realmente acreditar que bastaria remover um simples fio metálico de trás dos dentes. Este artigo se junta a tantos outros linkados ao final, como um porto seguro de informação em dias tão sombrios para a ciência.
Esses mitos criados levam a interferências em tratamentos já estabelecidos há anos pela academia, pela ciência e pela clínica odontológica. E no caso de uma coincidência de uma mulher engravidar após a retirada da contenção, o milagre será comemorado e compartilhado como real. Nosso cérebro encontra padrões e relações em inúmeras coisas, mas isso não quer dizer que são relações de causa e efeito. Para isso que serve a ciência e a revisão pelos pares.
Ao final, nos resta rir um pouco. Esse vídeo gerou muitas piadinhas na tentativa correta de desqualificar a fala das profissionais. Disseram que aparelhos ortodônticos poderiam ser usados como métodos anticoncepcionais e que para ter filhos precisaríamos ter dentes tortos. Perceba como um simples vídeo consegue fazer um estrago em várias áreas. Pessoas jovens com contenção podem achar que não precisam utilizar outros métodos anticoncepcionais para evitar uma gravidez, por exemplo. Não é fácil. E veja a energia dispendida para desmentir a fake. Brandolini que nos ajude! (Lei de Brandolini – https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Brandolini)
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