Hoje chamei um motorista pelo aplicativo do Uber e para minha surpresa o carro que veio me buscar era um táxi. Pensei com os meus botões: o sistema está se misturando. Era um taxista dirigindo um táxi, fazendo Uber. Imagino que isso não seja algo tão novo, mas nunca havia acontecido comigo. Dentro dessa perspectiva, essa ligação de conceitos me ocorreu e usei no título a “Uberização do ensino em Odontologia”. Entenda que isso não quer dizer necessariamente uma coisa ruim. Também pode não ser uma coisa boa. Vamos analisar isso juntos nesse artigo. O termo pode significar uma precarização com a mudança das relações entre consumidor e prestador de serviço através de plataformas digitais.
Uberização do Ensino na Odontologia
O sonho dourado das instituições de educação é o ensino se tornar 100% à distância. O famoso 100% EAD. Em outras palavras, o pessoal do Marketing desse nicho vai tentar apresentar as inúmeras “vantagens” dessa modalidade:
- Você pode estudar e ver as aulas a hora que você quiser
- Você pode tirar dúvidas via grupos de whatsapp ou pela plataforma
- Caso precise fazer uma parte clínica presencial, você faz em uma unidade mais próxima da sua casa
- As cargas horárias são menores
- Oferecem dupla e até tripla certificação no grande estilo “se especialize em Periodontia e leve a especialidade de Prótese de brinde”
Vão tentar te convencer que isso é a revolução do ensino.
De fato, nos últimos anos, percebemos um lobby fortíssimo pelo ensino 100% EAD. Por duas vezes conselhos de classe, Ordem dos Advogados do Brasil, outras instituições, associações e a sociedade civil precisaram dizer “não” para propostas desse tipo para o ensino na graduação de Odontologia, Direito, Psicologia e Enfermagem. Da última vez o MEC – Ministério da Educação e Cultura – não liberou essa prática depois da montagem de grupos de trabalho e muita gritaria de quem preza pelo ensino de qualidade.
Algo inevitável em um futuro não muito distante.
Entretanto, com um ensino 100% à distância, as faculdades podem deixar de lado o próprio professores. Um conteudista pode gravar aulas que serão assistidas online por milhares de alunos por todo o país. Todos assistiriam às mesmas aulas. Inegavelmente, uma economia gigante na folha de pagamento das faculdades e universidades, porém, a que custo real de qualidade? A desculpinha dada do aumento da acessibilidade para mim não cola.
Agora, entenda o que está acontecendo na pós graduação em Odontologia:
Faculdades precisam seguir à risca as normas do MEC e do Conselho Federal de Odontologia (CFO) para montar um curso de especialização, sendo eles feitos em 4 dias mensais respeitando as cargas horárias de cada matéria, pré determinadas pelo CFO.
Dessa forma, institutos de ensino precisam da assinatura e do carimbo de uma faculdade para terem seu curso de pós graduação validado na Odontologia. O que alguns estão fazendo? Á margem da legislação do CFO, estão montando cursos com ensino híbrido, ou em linguagem Nutella, cursos “Blended”. São cursos com a parte teórica online gravada e com a parte prática sendo feita no polo mais próxima da residência do aluno.
A gente sabe que ótimos cursos de especialização recebem alunos de todo o Brasil, podendo ser feitos uma vez por mês, quatro dias por semana. Isso tudo, aparentemente, resolve o problema da distância, mas como que se mede a qualidade disso? Você vai fazer clínica em uma unidade perto de você com qual equipe? A mesma que faz na unidade em outro estado? O professor que é “a cara” do curso estará presente em todo os módulos? Porque sabemos que hoje os instutos de ensino apelam para professores influenciadores digitais com milhares de seguidores.
Uberização do ensino de pós graduação na Odontologia: com uso de plataformas de ensino à distância, mudando a relação do aluno com o ensino através de ferramentas digitais
Claro que você pode contra argumentar que mesmo em cursos regulares de pós graduação, o professor chefe da equipe, aquele que também serve como chamariz de alunos porque tem bom nome no mercado e um bom currículo, também não está presente em todos os módulos do curso. Como eu citei no segundo parágrafo, é uma ação de marketing. Embora essa seja a reclamação de muitos professores mais conservadores e legalistas, também destacamos os casos das duplas ou das triplas certificações. As escolas não somam as cargas horárias.
Vamos pegar um exemplo para ficar mais fácil: Um curso que anuncia especialização com dupla certificação – dentística e prótese. Dentística precisa ter 750 horas e Prótese também, mais 750 horas. Um Instituto “X” oferece esse curso em 26 módulos, isto é, 26 meses. Obrigatoriamente, serão 4 dias por mês, com 8h por dia, somando 32 horas por mês. Com 26 meses (2 anos e 2 meses) temos 832 horas. O curso deveria ter somado, 1500 horas. Olha, mesmo levando em conta a área conexa que exise na base da dentística e da prótese, é menos de 60% da soma. Qual a qualidade desse curso comparado com quem faz uma especialização de cada vez?
Uberização do Ensino na Odontologia:
Eu entendo que qualidade não está totalmente ligada a quantidade de horas, mas vale ressaltar que horas a mais em um curso são horas de prática clínica. Além disso, a Odontologia é uma profissão que se ensina e se aprende com treinamento e repetição. De forma presencial, botando a mão na massa.
Mas pera aí … O Conselho Federal de Odontologia concede o título de especialista em duas áreas para esse dentista que fez curso com menos horas que o determinado? Não. O CFO não concede. Surpreendentemente, temos outra mutreta legalizada: o aluno entra na justiça contra o CFO e ele consegue seu título de especialista por ordem judicial, visto que o curso que ele fez está registrado e permitido pelo MEC. Tcharãm!!! Voltamos às anomalias de liberações do MEC versus CFO. Além de tudo isso, o MEC autoriza cursos de especialização em Odontologia Biológica, Odontologia Integrativa e outras sandices que não fazem parte do rol de especialidades da Odontologia.
Na contra mão do conservadorismo de muitos professores, os mais jovens já estão mais acostumados com cursos online e com o mundo digital. Eventualmente, muitas pessoas alegam que estamos numa época de transição entre o ensino analógico e o totalmente online. Com futuras ferramentas mais imersivas como a realidade virtual e outras evoluções no melhor estilo da série “Black Mirror” da Netflix.
Você vai perceber também que o ensino hoje é totalmente diferente de 20, 25 anos atrás. Eu tive aulas de anatomia com peças anatômicas reais que ficavam imersas no formol, por exemplo. Hoje os alunos usam modelos tridimensionais físicos ou digitais. Minhas aulas teóricas eram com retroprojetores, carrosséis de slides e datashow mais para o final do curso. Hoje as aulas precisam ser mais curtas e mais dinâmicas para prender a esparsa e diminuta atenção dos alunos dessa geração.
Será que no futuro usaremos um óculos imersivo de realidade virtual ou um dispositivo que transporte nossa consciência para um mundo online paralelo do ensino à distância?
O fim ou a diminuição das horas do ensino presencial faz os alunos perderem muito do networking. Aquele grupo de amigos que estava sempre junto na faculdade e depois de formados conseguem se juntar pra abrir uma clínica, parcerias, amizades com outros alunos ou professores, conversas informais, trocas de experiência e dúvidas que vão surgindo na hora da prática clínica podem ser perdidas no estilo à distância. Há um maior individualismo e a perda de toda convivência de faculdade seja nos momentos de aprendizado quanto nos momentos de lazer.
No modelo presencial você está ali fisicamente com o propósito de aprender e vencer os desafios propostos. Alguns de maneira individual, outros em conjunto com o grupo.
Enfim, quando for procurar por um curso de especialização, algo que milhares de dentistas buscam anualmente porque buscam diferenciação, preste muita atenção nisso. Veja as cargas horárias. Veja qual será o equipe que vai te acompanhar durante o curso. Não fique apenas na primeira parte da página de vendas do curso. Não aceite apenas os professores influenciadores que parecem oferecer todas soluções para você se tornar um especialista.
Episódio do Podcast PodSondar completo que falamos sobre o assunto – https://youtube.com/live/VJDMaGEiCf0?feature=share
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Um Abraço
Luiz Rodolfo May dos Santos
Equipe Dicas Odonto