Será que estamos vivendo uma epidemia de complicações fatais após extração de dente do siso? Nas últimas semanas, duas reportagens foram veiculadas extensivamente e com bastante sensacionalismo na mídia sobre dois pacientes que infelizmente vieram a falecer dias após extraírem seus dentes do siso. O que pode estar acontecendo?
Dente do siso não é brincadeira
Primeiro de tudo, essas fatalidades escancaram uma verdade que nós cirurgiões dentistas já sabemos, mas a população em geral às vezes se esquece: o dente é um órgão importante do corpo e a extração desse órgão é realizada por meio de um procedimento cirúrgico que carrega consigo inúmeros riscos e complicações. Extrair dente não é brincadeira, nem fácil e nem simples por mais “mole” ou quebrado que ele esteja. Não deve NUNCA ser feito em casa como vemos em vídeos amadores da internet com uso da alicates, fios de barbante e etc.
Infecções pegam carona na estrada da corrente sanguínea.
Obviamente, esses riscos existem porque o dente está inserido na boca que faz parte da cabeça do ser humano que normalmente está grudada ao corpo. Acima de tudo, o que se faz na boca tem total relação com o resto do corpo e vice versa. Todo o sangue que circula pelo corpo passa ali pela boca. Se, por acaso, algum dente apresenta uma infecção, esta pode ser transportada para outras partes do corpo. Abcessos (lojas de pus provenientes de infecções de origem bacteriana) podem “descer” para o pescoço ou “subir” para os seios maxilares ou ainda para a cabeça.
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Dito isso, vamos aos casos reportados com bastante sensacionalismo por sites que hoje noticiam fofocas, bizarrices, política, novidades, memes, mortes tudo na mesma linha em páginas de redes sociais que chegam a ter 20 milhões de seguidores. Sobretudo, aquela “mania” das pessoas apenas lerem as manchetes e já saírem gritando nos comentários está cada vez mais frequente. Tudo é tratado com muita rapidez e sem profundidade. Na descrição da imagem temos um resuminho da notícia que poucos leem e depois em letras garrafais vem escrito “MEU DEUS!!!”
De acordo com as reportagens, os dois casos trazem perfis de pacientes muito diferentes, porém, quadros de complicações pós operatórias muito parecidos. Em uma delas temos uma jovem de 23 anos que extraiu um dente do siso em uma clínica particular, teve abcesso pós operatório, quadro de angina de ludwig, foi internada e 7 dias depois morreu de parada cardiorrespiratória. Na segunda, um senhor hipertenso controlado de 50 anos extraiu um dente do siso no SUS, após aguentar 4 meses de dores e automedicação, teve abcesso pós operatório, angina de ludwig, infecção generalizada, insuficiência renal, infecção por retrovírus e acabou morrendo também 7 dias após a extração.
A importância de um prontuário completo, preenchido, documentado e assinado
Em ambos os casos, os profissionais de saúde alegaram que realizaram todos procedimentos necessários, não negaram atendimento e seguiram os procedimentos padrão para solução das complicações de extração do dente do siso. Aqui quero chamar atenção para um ponto: vejam a importância do prontuário odontológico preenchido, completo e documentado. Os exames necessários pré-operatórios foram realizados? No caso do senhor de 50 anos, a secretaria de saúde da cidade informou que o paciente iria realizar sua cirurgia no dia 05/05, mas a cirurgia foi abortada por conta da pressão dele estar muito alta. Esse tipo de cuidado é fundamental e demonstra preocupação genuína com procedimentos operacionais padrão de qualidade de atendimento.
Por isso achamos estranho alegações que o paciente saiu de lá sem uma receita de medicação ou que não foram realizadas e nem solicitadas radiografias antes da extração.
Ainda assim, como não temos os prontuários e mais informações em mãos dos casos, podemos apenas divagar sobre possibilidades que poderiam ter evitado as tristes fatalidades. Isso não quer dizer que as pessoas não estejam sujeitas a complicações. Todavia, as mortes são realmente raras (mesmo que coincidentemente elas tenham ocorrido dentro de 3 semanas). Além disso, quando realizamos cirurgias, temos uma gama de ações que visam diminuir os riscos desses procedimentos. Entre eles posso citar:
- Consultas pré operatórias com solicitação de todos exames que julgarmos necessários
- Anamnese com histórico de saúde médica e odontológica
- Dependendo do estado de saúde dos paciente receitamos mediações profiláticas – remédios que os pacientes tomam antes da cirurgia
- Uma conversa pré operatória explicando justamente os riscos, cuidados pós operatórios como repouso, alimentação, higiene da ferida cirúrgica
- Explicar os riscos e entregar um termo de consentimento informado: a extração dentária é uma cirurgia com riscos como dor, inchaço, possibilidade de abcesso (formação de pus), hemorragia (quando o sangramento não para), parestesia, trismo (dificuldade de abertura de boca), entre outras e sim pode levar a morte em casos extremos.
Apesar disso, as orientações não são para “ter um novo medo desbloqueado”, mas quem aqui já foi a um hospital, eles fazem você assinar um calhamaço de folhas e contratos antes de encostarem a mão na gente. Ali está tudo escrito e você assina que está ciente de tudo. Mesmo assim, as pessoas morrem. Mesmo quando tomamos todos os cuidados, as fatalidades podem acontecer. Seja como for, precisamos estar preparados para aplicar todos os procedimentos necessários que conhecemos hoje para evitar os riscos. Tudo isso documentado e assinado no prontuário. Saúde não pode ser vista como uma ciência exata, mesmo que eu entenda a vontade dos familiares e amigos procurarem por um culpado nessas tragédias.
Assim como acidentes de avião, tragédias como essas são causadas por uma somatória de fatores que podem ou não passar por erros dos profissionais ou dos próprios pacientes em não seguir orientações e assumir riscos.
Às vezes, na busca pela justiça, a opinião pública fomentada por essas páginas de notícias sensacionalistas, já coloca toda culpa nos profissionais. Além disso, é preciso cautela e paciência para aguardar as investigações, laudos e perícias que estão sendo realizadas para entender se houve realmente negligência, imperícia ou imprudência.
“De uma maneira geral, negligência é a omissão da conduta esperada para uma determinada situação; imprudência é a ação sem cautela; e imperícia é a ação equivocada por falta de técnica, de inaptidão. Qualquer cidadão responde pelos danos causados a outrem, a não ser que seja provada a inexistência de culpa.” – uma boa definição que encontrei no Google.
Enfim, para responder a pergunta deixada no primeiro parágrafo, isso sempre ocorreu. A coincidência de dois casos muito parecidos tenham viralizado na internet não deve ser motivo para pânico, aumento do medo e da desconfiança dos pacientes. Não fique postergando a ida ao dentista. Quanto mais a gente espera, maior a chance de complicações. Procure profissionais qualificados, faça todos os exames solicitados, siga as orientações à risca e não omita informações.
Leia as Reportagens Aqui:
“Uma semana depois de extrair dente do siso, jovem de 23 anos morre de infecção generalizada” – site Metrópolis
Um abraço,
Luiz Rodolfo
Equipe Dicas Odonto